Com dimensões continentais, Brasil enfrenta enormes desafios na gestão de suas fronteiras
Avanço de milícias, cooptação de mão de obra barata para o crime organizado, evasão escolar e ausência de infraestrutura são alguns dos problemas enfrentados pelos municípios
Com mais de 16 mil quilômetros de fronteiras — que se estendem de norte a sul no lado oeste do território nacional e englobam dez países vizinhos — o Brasil enfrenta uma série de problemas para conseguir lidar com aspectos comuns nessas regiões, como contrabando de armas e mercadorias ilegais e a cooptação de moradores locais para o crime, inclusive menores de idade; além do avanço estrutural do crime organizado, com a presença cada vez mais forte de milícias controlando o comércio ilegal nos principais estados brasileiros.
Apesar dos dados do Atlas da Violência — publicação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) — registrarem uma diminuição na média da taxa de homicídios por 100 mil habitantes no país, atualmente em 21,7, o Brasil ainda segue na liderança do ranking das nações que mais matam por armas de fogo no mundo, segundo o Núcleo de Estudos de Violência da USP (NEV-USP).
Outra informação que corrobora com essa problemática vem do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf), que aponta que a taxa de homicídio nos 588 municípios da faixa de fronteira chega a ser até 4 vezes a média nacional, fato que revela como as atividades ilícitas contribuem para a expansão da atuação de milícias e de outras facções criminosas.
Segundo o presidente do Idesf, Luciano Barros, alguns fatores podem explicar essa dinâmica, como o desenvolvimento tardio dessas regiões, a falta de infraestrutura básica e um certo distanciamento do estado, que optou por desenvolver primeiro a costa leste e deixou a costa oeste para um segundo momento. “Faltam políticas públicas, investimentos e um olhar específico para essas fronteiras. O Brasil lutou muito para conquistar essas terras, mas precisa desenvolvê-las. Os atores do crime organizado não encontram grande resistência, são sistemas evoluídos, que conseguem encontrar mão de obra muito fácil e trazer essas pessoas para a contravenção. É preciso uma visão de longo prazo e o Brasil tem essa possibilidade”, avalia.
Na visão de Luciano Barros, o combate ao ecossistema do crime tem que ser feito com muita agilidade. “O crime organizado trabalha de forma orquestrada e sempre terá fluidez, pois ele não tem nenhuma burocracia para enfrentar. E a reação do estado não pode caminhar de forma lenta, ou não conseguiremos fazer frente ao problema”, aponta.
Aliciamento de menores em atividades criminosas
Outra situação que traz aspectos muito sérios, é a presença de crianças e adolescentes em atividades criminosas. Especialista da chamada “economia do crime”, o economista Pery Shikida, professor da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), é autor de um estudo sobre o envolvimento de crianças e adolescentes no contrabando em 3 cidades fronteiriças: Foz do Iguaçu e Guaíra, no Paraná e Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul. A pesquisa identificou que o delito é percebido como muito lucrativo pelos infratores, em sua maioria do sexo masculino, que relatam a necessidade de sobrevivência, além do ganho fácil e imediato.
Para o professor, onde há forte presença de contrabando e criminalidade, são comuns a evasão escolar e o trabalho infantil, já que a relação custo-benefício do contrabando é favorável ao ilícito. “Há um falso entendimento de que o transporte de mercadorias contrabandeadas é um ato comum e legal, visto como um crime de baixa ofensividade”, aponta Shikida.
Segundo a pesquisa, os principais motivos que levam menores ao contrabando de cigarros são: a ideia de ganho fácil/consumo de bens (16,3%), seguido de penas brandas (16,3%); pais e/ou parentes atuam no contrabando (13,3%); não veem o contrabando como ato ilegal (11,2%); margem de lucro (11,2%) e a necessidade de sobrevivência/ajudar em casa (7,1%).
Prioridade na Segurança Pública
Para o presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), Edson Vismona, o fato dessas regiões de fronteira terem presença constante do crime organizado, exige uma atuação vigorosa na defesa e na segurança pública, pois o problema acaba se pulverizando pelo território nacional.
“Pelas fronteiras, entram drogas e armas que financiam organizações criminosas e elas acabam por cooptar tanto adultos como crianças. Nossa expectativa é que o governo federal irá atender esse clamor, inserindo a temática das fronteiras na sua agenda de ações prioritárias, preservando e aperfeiçoando os programas de segurança do país, para termos ações de combate cada vez mais efetivas” pontua Vismona.
Fontes:
– Edson Vismona – presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP)
– Luciano Barros — presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf)
– Pery Shikida — professor universitário, economista e autor do estudo “Aspectos do trabalho de crianças e adolescentes no contrabando de cigarros em três cidades fronteiriças brasileiras”